domingo, 13 de setembro de 2009

Nova partilha da experiência mossionária de Pe. Luciano Moreira, em Angola

Mais uma semana passou e cá estou eu de novo a partilhar as experiências que tenho vivido, nestes últimos dias por estas terras de Angola.

Na sexta-feira passada, a polícia prendeu-me por lhes ter tirado fotos quando batiam nas vendedoras de rua. Numa clara afronta aos direitos humanos, levam-me para a esquadra temendo que eu fosse um jornalista, que estava ali para denunciar a violência com que tratam as pobres mulheres que aqui vendem na rua da paróquia e na linha do comboio. Depois de umas horas de muito diálogo, e já com a ajuda do P. Neto (missionário da Boa Nova), entendem que eu era sacerdote, e que apenas estava no sítio errado na hora errada, deixaram-me sair e devolvendo-me a máquina fotográfica, ficando com o cartão de memória, que certamente já não recupero.

Ultrapassado este episódio, que também me ajudou a perceber o lado da polícia, face aos abusos do povo, mas também por outro lado a corrupção que existe, pois se lhes tivesse dado a dita “gasosa” logo me teriam dado a maquina fotográfica e o cartão, parti no sábado depois do almoço para o santuário de Nossa Senhora da Conceição da Muxima, para participar na peregrinação anual, com o p. Neto e um grupo de acólitos aqui da paróquia.

Foi uma viagem agradável, percorrer os 120 km de Viana a Muxima, onde chegamos ao pôr-do-sol que se escondia entre os grandes embondeiros característicos desta zona. Metade da estrada já está asfaltada, e outra metade está quase pronta a levar o asfalto, o que facilitou a viagem.

Ao chegar-mos, logo que dei conta da boa organização, pelos parques de estacionamento onde já estavam centenas de carros e autocarros, o que antevia a multidão de gente que iríamos encontrar.

O forte da Muxima foi construído na elevação da margem esquerda do rio Kwanza para defesa da navegação, e reza a historia que em 1647 foi ocupado pelos holandeses tendo sido rapidamente reconquistado pelos portugueses.

Em torno desta pequena fortaleza, cresceu e desenvolveu-se a povoação, com o mesmo nome, e foi construída a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, não se sabendo ao certo em que data. A meu ver, este local terá servido como posto intermédio no tráfico de escravos vindos do interior de Angola, capturados por agentes locais, que ali os vendiam aos portugueses que moravam no forte. Os escravos deveriam ser baptizados naquela igreja sendo depois enviados de barco pelo rio Kwanza para S. Paulo de Luanda, e de lá para o Brasil.

A esta igreja, vinha o povo fazer pedidos a “Mama Muxima”, nome que se atribuiu à antiga imagem de Nossa Senhora da Conceição, trazida pelos portugueses. O povo local como não sabia dizer Conceição, deu-lhe o nome de Muxima que significa coração em kimbundo. As primeiras procissões datam de 1650, altura em que se terá recuperado a imagem de Nossa Senhora, que esteve perdida durante alguns anos, na sequência da invasão dos holandeses. Consta que a primeira procissão terá saído de S. José de Calumbo, com a imagem a ser transportada num barco, acompanhada de outras canoas onde iam os principais políticos e religiosos de Luanda, até à Muxima.
Em 1833, a peregrinação começou a ser realizada a 8 de Dezembro, data da festividade da Imaculada Conceição de Maria, mas tendo em conta as chuvas torrenciais que caem no mês de Dezembro e impossibilitam a participação de grande número de pessoas, foi transferida para o início do mês de Setembro, isto já em 1980.

O Santuário da Muxima esteve a cargo da Arquidiocese de Luanda que, juntamente com a reitoria, organizavam as peregrinações, até ao dia 7 de Julho de 2007, data da criação das dioceses de Caxito e de Viana, passando nessa dada a pertencer à diocese de Viana que é a actual tutora do Santuário.

O bispo actual de Viana, D. Joaquim Ferreira Lopes, este ano quis dar uma dimensão internacional à peregrinação da Muxima, para que o Santuário seja conhecido mundialmente, convidando o reitor do Santuário de Fátima de Portugal; o Padre Virgílio Antunes, e o núncio em Angola que esta de partida para Cuba; D. Ângelo Becciu, para participarem na festa da Muxima, antevendo assim que no futuro, o Santuário da Muxima seja uma referência em toda a África, tal como o são na Europa os santuários de Fátima e Lourdes.

Em breve, no local junto do Santuário será construída uma basílica que pode albergar mais de três mil fiéis, tendo sido o projecto já apresentado pelo governo, ao Papa Bento XVI quando ele esteve em Angola este ano, aos bispos da Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé e aos membros do corpo diplomático em Angola, o que demonstra uma clara abertura do governo à Igreja Católica, e ao papel que ela tem desempenhado ao longo dos anos no apoio religioso e social a este povo.

As festividades da peregrinação começaram na sexta-feira dia 4 de Setembro, tendo como lema da “ Maria discípula perfeita”, de modo que a reflexão feita em torno de “Mama Muxima”, ajude na reconstrução e desenvolvimento deste grande país, e no qual os fiéis católicos são chamados a contribuírem para um verdadeiro movimento de reconciliação e fraternidade e colaborem no desenvolvimento material do país. Maria ou “Mama Muxima”, vai ajudar a colocar na mente dos crentes o sentido de serem verdadeiros discípulos de Cristo como ela foi. Sendo que este santuário se abre também a crentes de outras religiões e confissões religiosas, num constante diálogo ecuménico. Neste lugar sagrado, “Mama Muxima” a todos escuta e ajuda, unindo o povo numa só voz e oração no cântico; Mama Muxima, tueza kokué; (estou contigo)

Mama Muxima, tutambulele, (recebe-nos)
Mama Muxima, Tutukuatekese, (nós te louvamos)
Mama Muxima, Tubane Dibesá. (nós te bendizemos)


É como peregrino que entre no recinto do santuário, cheio de gente, e me dirijo até à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, para me paramentar e ajudar a confessar, as centenas de peregrinos que esperam. Durante uma hora atendo em confissão umas dezenas de crentes, alguns nem eram baptizados mas apresentam-se como penitentes junto dos sacerdotes presentes, a pedir perdão, para que estes os ajudem e aconselhem nas suas dificuldades e tentações, por intermédio de “Mama Muxima”.

Desde logo, fico espantado com a fé desta gente, sobretudo das mulheres, que tanto sofrem, e que procuram em “Mama Muxima” o auxílio e a protecção para os seus problemas e das suas famílias. Ao mesmo tempo a seriedade com que vivem o sacramento da confissão.

Chegada a hora, organiza-me o cortejo que vai da Igreja até junto do palco exterior onde se vai celebrar a eucaristia, presidida pelo reitor do Santuário de Fátima; o Padre Virgílio Antunes. Eu e ele, somos os únicos sacerdotes portugueses diocesanos presentes, e os dois preparamo-nos para viver uma eucaristia e uma procissão de velas, que irá ficar para sempre gravada na nossa memória.

Com cerca de vinte sacerdotes, dos vários institutos missionários da diocese de Viana e dioceses vizinhas, de várias nacionalidades, com a presença do bispo da diocese D. Joaquim Ferreira Lopes, avançamos em cortejo, até ao altar no exterior, por entre uma multidão que canta em coro, bate palmas e dança numa atitude de elevação total e preparação para viver o sacramento da eucaristia.

A eucaristia presidida pelo reitor do santuário de Fátima, foi celebrada e vivida num ambiente total de silêncio, apenas quebrado pelos cânticos que exprimiam a elevação do louvor que se estava a celebrar.

No final da eucaristia, houve a procissão das velas com meditação do terço, que me emocionou ate ao mais íntimo do meu ser e fez chorar de alegria, estava a viver talvez um dos momentos maiores de manifestação de fé da minha vida.
Durante a vigília da noite, pode ver a fé destas gentes à “Mama Muxima”, tanto cristãos como pagãos, prostram-se diante da sua imagem no altar dentro da capela, ou no andor que estava na rua e com ela falam, gesticulam, expressando as suas angústias, as suas dificuldades, mas também as suas alegrias e as graças recebidas. As suas orações são conversas em alta voz, não podendo contar o que lhes vai no coração, pedem um pouco de tudo; chuva, filhos, marido, saúde, riqueza, perdão etc.
Participei na eucaristia de encerramento no domingo, presidida pelo bispo da Diocese de Caxito, D. António Jaca, que na homilia pediu aos peregrinos que não se limitem a pedir a “Mama Muxima” ajuda para o seu bem-estar, mas que peçam o fortalecimento da sua fé para ultrapassar as dificuldades, da vida e ajudar na construção da paz em Angola.

Mais uma vez a liturgia da eucaristia tocou-me no mais fundo do meu íntimo, os cânticos, as palmas as danças, exprimem um total louvor a Deus e uma íntima ligação.
Marcou-me igualmente, o momento do ofertório, que durou meia hora, onde foram oferecidos por centenas de peregrinos vindos de toda Angola numa ingenuidade quase infantil um pouco de todo; velas, fósforos, cerveja, refrigerantes, óleo, peixe, cabritos, galinhas, flores, todo o tipo de mercearia e frutos, chapas de zinco etc. Gente pobre que oferece não do que lhes sobra, mas do que muitas vezes lhe vai fazer falta, entregando tudo nas mãos de Deus.

Esta peregrinação ajudou-me a crescer na fé, e aumentou em mim o gosto de ser missionário, ao mesmo tempo a consciência do dever de trabalhar na pastoral nas minhas paróquias, no zelo pela evangelização, pois nós padres diocesanos muitas vezes não conseguimos ver mais do que o adro das nossas igrejas, quando na verdade todos somos chamados a ser missionários logo desde o baptismo.

Mama Muxima”, foi para mim o compreender mais plenamente esta realidade, e a necessidade de responder ao apelo de Cristo: “a messe é grande e os trabalhadores são poucos. Pedi, portanto, ao dono da messe que mande trabalhadores para a Sua messe” Lc 10, 3.


Ate breve!
P. Luciano Moreira

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