quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Uma ida ao mercado

Por Pe. Luciano Moreira

Depois de uma semana cheia de trabalho, e de um fim-de-semana nas lides pastorais, onde ajudei a baptizar 206 crianças no sábado, e no domingo celebrei 3 Eucaristias na sede paroquial (para o povo em geral com mais de 2 mil pessoas, para as crianças e para os jovens), para uma assembleia de 4 ou 5 mil cristãos, hoje sento-me um pouco para partilhar mais uma experiência que acabei de viver.

Desde que aqui estou ainda não me tinha atrevido a sair sozinho, do adro que cerca a paróquia. Já saí para outras comunidades mas sempre com os padres ou catequistas. Como ontem celebrei na sede paroquial e as pessoas já me viram, aventurei-me a dar uma volta aqui pelas redondezas.

Antes tenho que dar a descrição geográfica da paróquia de Nossa Senhora da Boa Nova; esta fica junto da estrada que liga Luanda a Viana (cerca de 15 ou 16 km) com destino a Catete, a paroquia fica no km 12 no lugar conhecido como Estalagem. Esta via deve ser neste momento uma das mais movimentadas de Angola, sendo que o trânsito não pára, nem de dia, nem de noite. Para complicar as coisas está em obras (querem fazer uma auto-estrada com 4 faixas de rodagem), segundo me constou já há cerca de 2 anos e meio.

Na mesma linha da estrada segue o caminho-de-ferro, que faz a ligação entre Viana e Luanda, com comboios todas as meias horas, desde as 5 e meia da manha até as 19 horas. Quando estive cá em 2002 lembro-me que vi um velho comboio passar com poucas carruagens cheias de gente, mas este que agora faz esta ligação parece novo e já apresenta algum conforto.

Lembro-me também de ver um largo quase na entrada da paróquia com um grande mercado, mas que recentemente o governo proibiu, expulsando os vendedores para um lugar deserto no 30 km desta estrada, ou seja a 18 km daqui. Segundo me constou nessa altura houve problemas graves chegando mesmo a haver confrontos com o exército que teve de ser chamado perante a revolta do povo, onde morreram várias pessoas.

Ora bom, apesar da proibição o mercado continua a existir, já não em lugar fixo mas ao longo da linha-férrea e nas costas da rua que segue ao longo do muro do adro da paróquia.

Foi este mercado que eu andei a visitar. Já andei por vários mercados em África, mas nunca tinha visto nenhum como este, pois este é um mercado itinerante, no qual os vendedores têm de estar com o olho fino pronto a fugirem caso a policia apareça, como fez ainda no sábado passado e começa logo a disparar para afugentar os vendedores, ou melhor vendedoras, pois são quase só mulheres que estão a vender. Não existem bancas, apenas um pano no chão e já está a banca montada. Estas mulheres, algumas ainda muito jovens, compram os artigos que vendem num mercado maior (ou aqui perto ou nos mercados de Luanda), e vêm até aqui em plena rua e linha-férrea, vender esses produtos. Da sua venda ou não que depende a refeição da família. Grande parte carregam os filhos às costas e muitas vezes outro na barriga, são teimosas nessa luta com a polícia que não as quer a vender na rua, mas ao mesmo tempo umas lutadoras, pois sem trabalho encontram na venda uma forma de subsistência.

Podiam ir para o tal mercado no km 30, mas o que iriam lá ganhar mal daria para pagar o “candonqueiro” (nome do táxi aqui).

Os cheiros em Africa já são por natureza fortes, mas neste mercado ainda mais, onde se junta o cheiro do esgoto que corre num dos lados da rua, e da urina, com cheiro agradável do perfume das senhoras, ao mesmo tempo o cheiro a suor das vendedoras que ali estão ao sol todo o dia, ou do carregador de cargas, com o cheiro da carne assada, do peixe seco, ou do doce frito.

Como eu tinha pensado, hoje facilmente fui reconhecido, “hé olha o padri novo”, logo ouvi de uns garotos mal sai o portão, “hé padri anda nas compras, mi compra aqui” diz-me uma senhora sentada na linha-férrea. Estas palavras foram o suficiente para me sentir seguro, pois apesar de eu ser aventureiro sei que aqui é um grande risco andar por aí sozinho, mas de dia não se corre grande risco. Se fosse depois das 20 horas a coisa pode ser pior, pois existem grupos de jovens marginais que atacam, e mais do que roubar muitas vezes ferem e matam a vítima que cair nas suas mãos.

Também tenho a consciência que esta é uma zona de risco, não é como as zonas no interior, mas…, contudo não tive coragem de levar a minha fiel companheira, (a maquina fotográfica), e os bolsos iam vazios.

Nos mercados africanos, mesmo quem tem pouco dinheiro pode sempre fazer algumas compras: se não se tem dinheiro para um saco de sal ou arroz inteiro vai, uma pequena medida; se não se tem dinheiro para um saco de rebuçados compram-se 2 ou 3, ou em vez de um maço de cigarros pode-se comprar apenas um. Todo se vende em pequenas quantidades, conforme o dinheiro que cada um tem. Sendo que o mais barato tem de custar uma nota de 5 Kuanzas o que equivale a 2 cêntimos europeus, pois em Angola não existe dinheiro em moeda, pelo que um monte de notas bem grande pode ter pouco valor. Existem notas de 5, 10, 50, 100, 500, 1000 e 2000 Kuanzas, esta última vale mais ou menos 20 euros.

Voltando ao mercado novamente, fui por um dos lados onde se vende sobretudo coisas para a cozinha: sal, arroz, batata, tomate, verduras, farinha de mandioca e de milho etc.

Sigo a multidão que me empurra, tentando não pisar os produtos expostos no chão ou as crianças que brincam junto das mães, e que me sorriem, pois não é todos os dias que vêm um branco por ali; algumas choram e escondem o ranho do nariz no seio da mãe, procurando dar mais uma mamada, pois a fome já deve apertar.

Escuto o pregão das mulheres “tomati 30” banana 50, é tio mi compra lá”, sorrio para as vendedoras e avanço. Numa das partes deste mercado estão a vender carne fresca, de vaca, de porco, frango, ao seu lado as vendedoras de peixe, de todos os tamanhos e feitios e qualidades, fresco, salgado ou fumado, no meio vão aparecendo alguma a vender carne assada, alguma espetadas ou até salsichas fritas, mais à frente gritam; “pão 20”.

Certamente que se a nossa ASAE aqui aparecesse ia ficar chocada com as condições de higiene em que estes produtos são vendidos, mas aqui ninguém se parece importar: uns têm que vender e outros têm que comprar, é esta a lei da vida. A vendedora da roupa feminina, quem que vender alguma lingerie, para depois poder comprar o pão e a fuba com que vai matar a fome aos filhos e ao marido que a espera na hora do jantar, sendo muitas vezes esta a única refeição que fazem por dia. O mesmo acontece com todas esta mulheres.

Amanha é outro dia, mais um dia de luta pela sobrevivência.

Será que nos lembramos que no nosso mundo esta dura realidade existe quando chegamos, confortáveis à caixa dos nossos hipers com os carrinhos cheios e confortavelmente pagamos com o nosso cartão de crédito?

Ate breve!
2009.09.01

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